Entrevista - Márcio Holland, secretário de Política Econômica
O Brasil está pronto para lidar com um eventual agravamento da situação econômica internacional, garante Márcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Ele diz que o Brasil está bem preparado para crescer a partir do mercado doméstico, não só de consumo, mas também de investimento, com diversos empreendimentos, em diferentes setores "esparramados" pelo País. Confiante de que a taxa de investimentos sairá dos atuais 19% do PIB para 23% em 2015, Holland nota que o governo tem políticas para expandir o investimento público, estimular o privado e alongar o mercado de financiamento privado. A seguir, a entrevista:
Como o sr. vê o agravamento do quadro internacional?
O quadro pós grande crise financeira é o previsto nos chamados modelos de crises financeiras centrais. Não me surpreende a fragilidade de recuperação das economias centrais, dada a gravidade da crise.
Mas o risco de não elevação do teto do endividamento americano não é uma grande ameaça?
A nossa visão sobre esse problema é a que não dá para visualizar um cenário em que o Congresso não aprove o deslocamento do teto. A probabilidade de uma suspensão de pagamentos pelos Estados Unidos tende a zero, e alguém até disse que nem deveria existir essa probabilidade, considerando que o dólar é a moeda central e reserva de valor, e os EUA são a principal economia do mundo.
E qual a sua opinião sobre a crise na Europa?
Estou mais preocupado com a Europa do que com os Estados Unidos. Na Europa, há uma combinação de fatores complicados: estado de bem-estar que está sendo removido, sistema previdenciário extremamente generoso sendo colocado em dúvida, população envelhecida. Com países como a Grécia, que deve estar a caminho de um default (suspensão de pagamentos), é mais complexo, pois se trata de uma área monetária. Os países têm limites para fazer política fiscal, perderam a política monetária local e não têm política cambial, o que os Estados Unidos têm. A margem para sair da situação é menor.
O Brasil está preparado para lidar com uma conjuntura internacional pior?
O Brasil sobreviveu muito bem ao olho do furacão da crise financeira internacional em 2008. De lá para cá, o País descobriu uma capacidade de crescer pelo mercado doméstico e, eu vou enfatizar, não é só mercado de consumo de massa, é mercado de investimento produtivo. Isso sustenta muito a capacidade de o Brasil continuar crescendo e gerar emprego no futuro próximo até essa equação internacional se resolver. Hoje nós temos um mercado doméstico para investimento e para consumo muito amplo, muito diversificado e muito esparramado pelo País. Tem projetos de energia, desde os hidrelétricos até os de petróleo, projetos de investimento em construção civil, de bens de capital, entre outros, esparramados por todo o Brasil, e isso deve dar um fôlego muito grande para a economia brasileira se sair muito bem nessa travessia.
Os investimentos no Brasil ainda não são muito baixos?
Hoje a taxa de investimento está em 19% do PIB e nossa projeção é chegar a 23,2% em 2015. Não só acreditamos nisso, como o governo está fazendo um conjunto de esforços para que isso aconteça, com foco na expansão das taxas de investimento público, no estímulo ao investimento privado e ao mercado de crédito privado de longo prazo, e políticas de competitividade. Em 2005, o governo colocou em pauta, com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma agenda de crescimento e começamos a deslocar a taxa de crescimento do Brasil de 2,5%, de 1990 a 2002, para 3,5%, no primeiro ano do governo Lula, e 4,5% no segundo. O Brasil aumentou a formalização do mercado de trabalho, criou 15 milhões de novos empregos. Gosto de usar a expressão do Delfim Neto, de que isso é um movimento civilizatório.
O sr. poderia detalhar as medidas de estímulo ao investimento?
Não vou fazer comentários sobre o que não foi divulgado. Do que já saiu, há, por exemplo, a medida provisória 517, que dá incentivo à expansão do mercado de debêntures no Brasil. Tem as Letras Financeiras, que estão se desenvolvendo muito bem. E há um conjunto de medidas para incentivar o mercado privado de longo prazo. O Brasil se saiu muito bem, gerando excepcional mercado de crédito para consumo. E tem a capacidade de fazer o mesmo para o investimento.
E a inflação, preocupa?
Há o preço de commodities, uma pressão mundial, mas, na verdade, a inflação global tem várias causas. Uma delas, inclusive, é o que chamo de efeito China reverso. Nos anos 90, a inflação caiu muito no mundo, em parte por conta do efeito positivo vindo da China. A China se tornava a principal fábrica do mundo com mão de obra muito barata. Em 2011, a China é a fábrica do mundo com uma mão de obra bem mais cara do que nos anos 90. O mercado de trabalho e de consumo já pressionam e fazem a China ter inflação relativamente alta, rodando a 5,5%, ou algo nessa faixa. Os países emergentes e em desenvolvimento estão rodando 2011 com a taxa de inflação média de 6,87%, comparado a 5,86% em 2005. Se você tirasse essa inflação mundial, provavelmente a inflação brasileira estaria correndo dentro do centro da meta. Então é preciso ter tranquilidade.
E a previsão de que a taxa de juro real cairia para 2% ao fim do mandato de Dilma Rousseff?
Um dos desafios que nós temos certamente ainda é a persistente e elevada taxa real de juros. E que certamente tem efeitos sobre a economia, um custo fiscal alto, e atrai fluxos de capitais. Mas a taxa real de juros no Brasil estava em clara tendência de convergência. Mesmo antes de vir para o governo, em artigos acadêmicos, eu já afirmava isso. Essa alta da taxa de juros agora, para mim, é meramente transitória. O Brasil vai caminhar novamente rumo à tendência de convergência, provavelmente a partir de 2012. Agora, não vou falar num número, porque não existe meta de taxa de juros.
O câmbio valorizado é outro problema apontado frequentemente.
A taxa de câmbio é uma variável que engana todos nós economistas. Todo mundo acha que o câmbio está fora do lugar, mas ninguém sabe onde deve estar. É extremamente complexo. Mas estamos vivendo um contexto internacional de curto ou médio prazo. Tão logo se normalizem os juros americanos, tão logo se ajustem as economias europeias, essa pressão de fluxos de capital para o Brasil vai cair um pouco, e com ela a pressão sobre o câmbio. E a taxa de juros no Brasil vai recomeçar a convergir.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110724/not_imp749047,0.php
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